
Na data de ontem (07/01/2020), Sua Excelência, o Presidente da República, vetou o PL nº 4.489/19, de autoria do Deputado Federal Efraim Filho, que foi recentemente aprovado no Congresso Nacional e visava modificar o Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/994), bem como o Decreto-lei n° 9.295/1946, norma de regência dos serviços de Contabilidade.
A referida inovação legislativa visava estabelecer que os serviços de contabilidade e advocacia, por sua natureza, seriam considerados singulares, quando comprovada a notória especialização do profissional, nos termos da lei.
Ocorre que a inovação trazida teria íntimo reflexo na Lei de Licitações, porque a regra na Administração Pública é que os serviços são contratados por intermédio de concurso público, ex vi do art. 37, II da Carta da República, destarte a contratação por inexigibilidade de licitação, malgrado previsão legal, sempre é caso excepcional, observados os requisitos previstos na citada norma.
Caso a inovação legal fosse aprovada, o gestor teria plena possibilidade de contratar quem desejasse e dispusesse de sua confiança, preterindo o princípio da impessoalidade, pois a novidade legislativa não traz em seu texto o responsável para avaliar a especialidade do profissional a ser contratado pela edilidade, em suma, passar-se-ia a ser cabível a contratação de contadores e advogados por inexigibilidade de licitação, sem concurso ou previsão da função em quadro próprio na Administração.
Ora, a lei de licitações assevera que para contratação de serviços pela Administração Pública, por intermédio da inexigibilidade de licitação, dar-se-á em hipóteses comprovadas e cumuladas de SINGULARIDADE DO SERVIÇO e a NOTORIEDADE DO PROFISSIONAL (Art. 13, III e V, c/c Art. 25, II), não cabendo, pois, a contratação de serviços ordinários e corriqueiros, ou seja, a contratação com inexigibilidade é exceção ao sistema de contratação dos serviços pela Administração Pública, não se prestando para contratação de serviços cotidianos.
Desse modo, sendo o serviço ordinário, corriqueiro e necessário pela Administração Pública, como é o caso dos serviços de contabilidade e advocacia, premente a observância ao disposto no art. 37, II da Constituição Federal, que anuncia a regra do concurso público, em suma, obrigatória a realização de concurso público para acesso aos cargos públicos.
Ante tal cenário, é patente que as inovações propostas no Projeto de Lei n° 4.489/2019 (nº 10.980/2018, na Câmara dos Deputados) afetariam diretamente a aplicabilidade das exceções trazidas pelo Art. 13, III e V, c/c o Art. 25, II, ambos da Lei n° 8.666/93, e tornariam regra a contratação direta de advogados e contadores sem a realização do devido processo licitatório, fora das hipóteses excepcionais atualmente previstas, violando vários axiomas da Constituição da República, a exemplo do princípio republicano, da impessoalidade, isonomia, regra do concurso publico e da exigência de licitação.
Nesse diapasão de raciocínio, o veto trouxe a manifestação do Exmo. Ministro da Justiça e Segurança Pública:
“A propositura legislativa, ao considerar que todos os serviços advocatícios e contábeis são, na essência, técnicos e singulares, viola o princípio constitucional da obrigatoriedade de licitar, nos termos do inciso XXI, do art. 37 da Constituição da República, tendo em vista que a contratação de tais serviços por inexigibilidade de processo licitatório só é possível em situações extraordinárias, cujas condições devem ser avaliadas sob a ótica da Administração Pública em cada caso específico, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (v.g. lnq. 3074-SC, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 193, de 3-10-2014)”.
Assim sendo, observa-se que o veto realizado pelo Exmo. Presidente da República, observou os ditames da ordem constitucional e legal, pois se arrimou na regra da supremacia do interesse público para a contratação de serviços ordinários e corriqueiros pela Administração Pública.